terça-feira, 22 de abril de 2008

Qual a sua opinião sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias ?

Células-Tronco embrionárias é uma esperança de vida ?

Revista Época

E Gabriela ainda espera

Cristiane Segatto, de Brasília

Ao adiar o julgamento sobre o uso de embriões em pesquisas, o STF frustra os pacientes que não têm outra opção a não ser crer no potencial das células-tronco



A FLOR NO COLO
Católica e defensora das pesquisas com células de embriões, Gabriela Costa diz ter rezado para iluminar os ministros do STF. E levou uma gérbera ao plenário, como forma de pressão Gabriela costa é uma moça notável. Deixou de andar há cinco anos por causa da distrofia muscular do tipo cinturas, uma doença genética que rouba a força dos músculos. Nem por isso se lamenta. Trabalha, namora, se diverte. Quando vê portadores de formas mais graves da moléstia, tem certeza de que está bem. A maioria vive um ciclo sem volta. Primeiro, as pernas enfraquecem e os braços ficam imobilizados. Depois, falar e comer se torna impossível. Por fim, os pulmões e o coração entram em colapso. Quem vai discordar de Gabriela? Na semana passada, ela era a mais clara expressão da vida durante a sessão do Supremo Tribunal Federal que pretendia dar um veredicto sobre a polêmica do uso de embriões humanos em pesquisas. Uma manobra jurídica adiou a decisão por tempo indeterminado. O sonho de Gabriela ficou mais distante. Mas ela não desiste.
Antes da sessão, a brasiliense de 32 anos subiu a rampa do STF com uma confiança visível. Um amigo empurrava sua cadeira de rodas. A moça manteve o rosto erguido, os longos cabelos soltos e, na mão direita, levava uma gérbera laranja. A flor é o símbolo da luta dos pacientes que ela coordena no Movimento em Prol da Vida (Movitae). Na véspera, Gabriela escolheu seu melhor terninho e, antes de dormir, rezou. Católica e defensora das pesquisas com células de embrião – condições que, na visão dela, não são incompatíveis –, pediu a Deus que iluminasse a mente dos 11 ministros.
Do fundo do plenário, na fila reservada aos cadeirantes, Gabriela foi testemunha de um momento marcante. Segundo o ministro Celso de Mello, o tema em discussão “é o assunto mais importante da história do STF”. Como raramente acontece na mais alta corte de Justiça brasileira, os ministros estão diante de uma questão de princípios. Têm a missão de examinar valores que se contrapõem: o direito à vida, o direito à saúde, a livre manifestação do progresso científico, o respeito à fé religiosa. O STF existe para analisar questões nobres e atuar como um guardião da Constituição. Não deveria, como acontece na prática, estar atolado em casos menores, que envolvem picuinhas de interesse corporativo e não têm nenhuma relevância para a maioria dos brasileiros.
Foi por essa razão que o ministro Carlos Ayres Britto, relator do caso, se entusiasmou com o tema das células-tronco. Preparou um voto de 78 páginas que foi lido durante quase duas horas. “Vida humana já revestida do atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte”, disse. “Não existe uma pessoa humana embrionária.” Segundo o raciocínio de Ayres Britto, o embrião não pode ser considerado um nascituro, como os que são protegidos pelo Código Civil. “Nem todo embrião humano desencadeia uma gestação. As normas penais sobre aborto não podem incidir nesse caso.” Concluiu que o artigo da Lei de Biossegurança que autorizou as pesquisas com embriões não é inconstitucional.
Como raramente acontece no Supremo, os ministros estão diante de uma questão de princípios Gabriela seguiu as normas da casa e não se manifestou. Olhou fixamente para o ministro e apenas sorriu. “Sorri por dentro e por fora. Foi um voto lindo”, disse. Poucos minutos depois, veio a frustração. O ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo, o que adiou o julgamento por tempo indeterminado. “O assunto é controverso, de alta complexidade e exige análise profunda”, afirmou. A presidente do STF, Ellen Gracie, surpreendeu a platéia ao revelar seu voto antecipadamente. “A ordem jurídica classifica como pessoa humana os nascidos com vida. Também não se trata aqui da condição de nascituro. Isso pressupõe a probabilidade de vir a nascer, o que não acontece com embriões destinados ao descarte”, disse. Era um voto importante a favor das pesquisas. Mas a sessão estava encerrada.
Em silêncio, Gabriela e os outros pacientes deixaram o plenário. Uma pessoa não se conteve: Marisa Moreira Salles, mulher do presidente do Unibanco, Pedro Moreira Salles. O banqueiro sofre de distrofia muscular e usa cadeira de rodas há muitos anos. Marisa diz que ele não é a única razão que a faz lutar pelo avanço da ciência. Ela apóia várias entidades de pacientes e pagou a viagem de vários deles a Brasília. Quase ninguém notou, mas Marisa abordou Menezes Direito e, com voz trêmula, disse que estava decepcionada com ele. O ministro respondeu que votou segundo sua própria consciência e saiu rapidamente do plenário. “Entendo a fé, mas não a má-fé”, afirmou Marisa, em seguida. “O ministro poderia ter votado contra as pesquisas, mas foi covarde ao usar a tática de adiar o julgamento.”
O pedido de vista é um instrumento legítimo que faz parte dos rituais da democracia. Mas é difícil imaginar que os magistrados ainda não conheçam o caso nem tenham convicções formadas. A ação de inconstitucionalidade chegou ao STF há quase três anos. De lá para cá, o tema das células-tronco embrionárias tem sido discutido amplamente dentro e fora do Supremo. Menezes Direito é membro da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro. Segue o compromisso de defender a vida humana desde a concepção até a morte natural. Concorda, portanto, com a argumentação do advogado Ives Gandra Martins, que representou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no julgamento. “A vida começa na concepção e a Constituição garante a inviolabilidade do direito à vida”, afirmou Martins, ao defender que a lei fosse considerada inconstitucional.
PRESSA
Valdir Timóteo, paraplégico há oito anos. “A luta contra os pacientes que precisam das pesquisas é injusta” Menezes Direito tem 30 dias para examinar o processo. Na prática, porém, alguns ministros passam anos nessa função. Segundo Ellen Gracie, o STF tem hoje 565 outros processos à espera de julgamento. O caso dos embriões corre o risco de ir para o fim da fila. Esse é o pior cenário para os pacientes e para os cientistas. Enquanto a lei não é declarada inconstitucional, os estudos com embriões podem ser realizados no Brasil. No entanto, os comitês de ética das universidades, as agências de apoio à pesquisa e as empresas não se sentem seguros para autorizar e financiar trabalhos que podem ser interrompidos de uma hora para outra. Os cientistas também têm medo de começar a mexer com embriões e ser tachados de assassinos por grupos radicais. Num país em que o incentivo à ciência é tão limitado, nenhum pesquisador pode se dar ao luxo de ter o laboratório depredado. Isso desestimula a inovação numa das áreas mais promissoras da ciência.
No Brasil, apenas dois grupos trabalham com células de embrião. O do neurocientista Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o da geneticista Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo. Eles receberam as células cultivadas no laboratório do cientista americano Douglas Melton, da Universidade Harvard. Lygia também trabalha com embriões doados por casais que fizeram tratamento de reprodução assistida na Clínica Fertility, em São Paulo. O dono da clínica, Edson Borges Junior, analisou os termos de consentimento de 724 casais que se submeteram à fertilização in vitro. Quase 60% deles aceitam doar os embriões para pesquisas. Os casais consideram que não existe destino mais nobre para os embriões excedentes dos tratamentos de reprodução assistida que ajudar a salvar a vida de outras pessoas. “Não podemos mais dizer que a pesquisa com células-tronco embrionárias é o futuro da medicina. Ela já é o presente e o Brasil está ficando para trás”, afirma.
Nos Estados Unidos, já foram concedidas 57 patentes que envolvem células-tronco embrionárias humanas. Há mais de 300 outros pedidos de patente em análise. Três empresas americanas obtiveram bons resultados em testes com animais e devem começar a testar terapias em humanos ainda em 2008. A Geron testará um implante de células-tronco embrionárias em 40 pessoas que sofreram lesões na medula. A Advanced Cell Technology investe numa terapia contra a perda da visão provocada pela degeneração macular. A Novocell pretende testar um transplante contra o diabetes tipo 1.
Não há garantia de que essas experiências dêem certo em humanos. Até hoje, não existe no mundo nenhuma terapia derivada de células-tronco embrionárias. Muitas das promessas em torno delas podem ser meras ilusões. Nos últimos anos, elas catalisaram a esperança de milhões de pessoas em todo o mundo. Portadores de doenças como Parkinson, Alzheimer, lesões medulares e moléstias provocadas por erros genéticos enxergam nas células-tronco uma chance de recomeço. Em tese, elas poderiam ser cultivadas em laboratório e dar origem a tecidos que substituiriam as áreas lesadas. Poderiam ser usadas também para ajudar os cientistas a descobrir uma forma de induzir a produção de substâncias que garantem o bom funcionamento do organismo. No caso de Gabriela, o que falta é a calpaína, uma proteína que garante a saúde dos músculos. Na prática, porém, tudo isso pode se revelar uma ilusão. Os cientistas só terão certeza se tiverem a liberdade de pesquisar.
O caso dos embriões poderá ir para o fim da fila de processos à espera de julgamento e demorar anos “A luta dos religiosos contra os pacientes que precisam das pesquisas é injusta”, diz Valdir Timóteo. Ele ficou paraplégico há oito anos por causa de um acidente de carro. “A Igreja é um império que tem acesso às autoridades de todo o país e faz valer sua vontade. Os doentes acamados são invisíveis. Ninguém sabe que eles existem.” No julgamento do STF, a gérbera laranja que Valdir colocou na lapela mostrava de que lado ele estava. Ele diz não se importar se vai voltar a andar ou não. Acredita, porém, que a esperança dos pacientes e o desenvolvimento da ciência não podem ser sufocados por uma minoria. A Lei de Biossegurança foi aprovada por 96% dos senadores e 85% dos deputados federais depois de um longo debate. Em seguida, foi sancionada pelo presidente Lula. No STF, a lei parece ter o apoio de oito dos 11 ministros. É justo que o caso volte ao final da fila e as pesquisas fiquem emperradas por mais alguns meses ou anos? “Os pacientes não podem esperar, porque a doença não espera”, diz Gabriela.
Enquanto não houver um ambiente jurídico seguro, as pesquisas com embriões não vão florescer no Brasil. A única saída será investir em células-tronco adultas, extraídas do sangue ou da medula do próprio paciente. Vários projetos estão em desenvolvimento no Brasil (leia o quadro na página 87), mas os resultados são limitados. Elas não se transformam em qualquer tipo de tecido, como as embrionárias. Uma opção seria tentar reprogramar células da pele para que elas se comportassem como as embrionárias. Parece uma idéia mirabolante, mas os cientistas James Thomson e Shinya Yamanaka conseguiram fazer isso no fim do ano passado. Eles, no entanto, são os primeiros a dizer que as células reprogramadas ainda não são eficientes a ponto de eliminar a necessidade de pesquisas com as embrionárias. Os dois cientistas só puderam chegar a essa invenção porque tiveram a liberdade de trabalhar com embriões.
O STF paralisou a discussão, mas a vida dos pacientes segue no mesmo ritmo. Gabriela dormiu mal depois do julgamento. Sonhou com vários flashes da sessão, num emaranhado de emoções boas e ruins. Acordou pensando na fisioterapia e nos remédios que tentam retardar o avanço da doença enquanto ela não pode ter a esperança de encontrar uma solução definitiva. Um dia depois do que poderia ter sido o julgamento mais importante de sua história, a suprema corte brasileira voltou ao normal. A pauta continha ações sem a menor relevância nacional: um caso sobre botijões de gás do Paraná, outro sobre máquinas caça-níqueis em São Paulo e uma disputa por cargos no Tribunal de Contas de Roraima.
Pode, mas... Enquanto o STF não vota, as pesquisas com embriões são legais. Mas ninguém quer investir antes da decisão final


EM USO
“As células-tronco já estão ajudando pessoas” 3 perguntas para Oliver Smithies
O geneticista americano, ganhador do Nobel de Medicina no ano passado, vem ao Brasil nesta semana. Sua opinião sobre células-tronco:
O senhor é a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas. Por que o Brasil deve investir nesse tipo de pesquisa? Essa discussão é muito importante para a ciência. Esse tipo de pesquisa trará um grande benefício aos seres humanos, quando as dificuldades técnicas forem superadas.
Essas pesquisas vão levar a tratamentos eficazes? Alguém vai voltar a andar depois de receber um implante de células-tronco? Esse tipo de estudo leva muito tempo para chegar a algum resultado. As pessoas às vezes acham que as soluções virão rápido. Talvez exista um excesso de expectativa em relação ao prazo dos tratamentos. Mas tenho certeza de que essa linha de pesquisas vai produzir resultados.
Quando vai surgir a primeira terapia? Hoje já existe o transplante de medula, que tem ajudado crianças com leucemia. Isso é um tratamento com células-tronco, porém não embrionárias. Nós deveríamos abrir nossa mente para o fato de que as células-tronco já são usadas e estão ajudando as pessoas.

Um comentário:

  1. [B]Saúde nada mais é do que o bem estar físico, mental e social. Como pode-se esperar que pessoas portadoras de necessidades especiais sintam-se em plena saúde quando lhes é negado o direito garantido pela Carta Magna??? Afinal estamos em um País Democrático e Democracia pressupõe cidadãos ativos, informados e competentes.
    O lema do Brasil é "Ordem e Progresso" e, para que esse progresso tome forma, é necessário (re)pensar na abordagem da "vontade política" investindo no plebiscito para que os objetivos atinja toda a camada social que tem pensamentos e vontades próprias.
    Devemos nos informar e acompanhar as transformações do cotidiano, exercendo assim a verdadeira função de "cidadãos políticos" diante da realidade da era da globalização, que é de desenvolver conhecimentos, gerando assim saúde e bem estar.E quando se fala tanto em contenção de gastos deve-se (re)pensar que essa pesquisa de Células-Tronco é devolver a vida e a saúde dos indivíduos e com isso os gastos públicos com saúde e as filas em hospitais dimunuiriam assombrosamente gerando assim a tal "contenção de gastos com a saúde".
    Essa pesquisa abrange no geral, não é fragmentada pois hoje pode ser seu amigo ou um desconhecido, daqui a um piscar de olhos...VOCÊ!!!

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